sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Insônia

Não durmo ,nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo,não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite -
Meu Deus,nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo,jazo,cadáver acordado,sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
__ Todas aquelas de que me arrependo e me culpo-;
Passam por mim,transtornadas,coisas de que me arrependo e me culpo-;
Passam por mim,transtornadas,coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo ,me culpo,e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorande noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos que realmente simpáticos-
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos,versos,versos,versos,versos...

Tantos versos...
E a verdade toda,e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo,sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente.
Uma abstracção de autoconsciência,
Salvo- sei lá salvo o quê...

Não durmo, não durmo,não durmo
Que grande sono em toda a  cabeça e em cima dos olhos e na alma!

Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto ... Vem...
Vem inutimente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...

Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Seguindo a velha literatura das sensações.
Vem,traz a esperança,vem, traz a esperança!
O meu cansaço entra pelo colçhão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem madrugada,chega!!!

Que horas são?Não sei .
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio.
Não tenho energia para nada,nem para mais nada...
Só para estes versos,escritos no dia seguinte.
Sim,escritos no dia seguinte.
Todos os versos são escritos no dia seguinte.

Noite absoluta ,sossego absoluto,lá fora.
Paz em toda natureza.
A humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A humanidade repousa e esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma-se dizer se isto.
A humanidade esquece,sim,a humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a humanidade esquece.
Exactamente.Mas não durmo.

Fernando Pessoa,27 de Março de 1929

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